Empreendedorismo Social: criação de Muhammad Yunus, negócios, de fato, a favor da sociedade e das pessoas!

Para tratar do tema Empreendedorismo Social eu penso que devo começar falando da origem disso tudo, que é a desigualdade absurda que existe nas sociedades em geral. Eu vou falar com você sobre um problema, vou trazer uma proposta de solução, e também vou fazer uma convocação para você. O problema sobre o qual vou tratar aqui não é a desigualdade. Eu não acho que a desigualdade seja um problema em si. O que eu acredito que seja um problema é o que eu chamo, na verdade, de desigualdade imposta.

Para contar um pouquinho sobre o que seria essa desigualdade imposta, eu vou usar uma historinha rápida que o filósofo e economista Eduardo Giannetti conta. É uma historinha boba, mas interessante. Ele conta que dois amiguinhos estavam caminhando na rua e, de repente, um deles encontrou duas maçãs no chão. Ele pegou as duas maçãs. Uma delas era linda, cheirosa, apetitosa, maravilhosa, e a outra era bem mais ou menos, era aquela maçãzinha judiadinha. Ele pegou as duas maçãs, deu a mais judiadinha pro amigo e ficou com aquela delícia ali na mão. O amigo olhou pra ele e falou: “Poxa, por que você me deu a pior?” E aí o outro perguntou: “Se você tivesse achado as maçãs, qual maçã você me daria?” E ele falou: “Pô, eu te daria a melhor. Eu te daria a melhor maçã”.

E ele falou: “Ah, então está bom, então está do jeito que você queria”. (Risos) O que você aprende com essa história? Que o problema não está em você ficar com a pior maçã. O que importa é como esse processo se dá, como essa maçã chega até você. Se ela foi uma opção sua, ou não. Alguns dados rápidos aqui pra vocês, ao falar em desigualdade no Brasil. Todos nós sabemos, intuitivamente, desses dados. Mas hoje em dia a gente tem 50 milhões de pessoas, tentando viver com aproximadamente R$ 13, ou menos do que isso, por dia. Tentando passar o dia dessa forma. A gente ainda não tem, no Brasil, o que se chama de saneamento “básico”, porque, se é básico, deveria ser básico, e todo mundo deveria ter. A gente ainda tem 40% dos domicílios do país sem saneamento “básico”. No Nordeste, esse número é de 60%.

No Norte, esse número de domicílios sem saneamento básico chega a 85%. Qual é a consequência disso? A consequência é que isso traz uma série de doenças, por exemplo. Só que: quem é mais afetado pelas doenças causadas pela falta de saneamento? Metade dos afetados são crianças. Uma criança afetada por uma doença causada por bactérias, etc., tem problemas, por exemplo, na cognição, no pensamento cognitivo, o que vai afetar o processo de educação e de aprendizado dessa criança. É uma criança que desde o começo da corrida já sai com um peso amarrado no pé. Então, falar em meritocracia numa sociedade desigual é uma fábula, é mentira. Quando a gente começa a pensar em possíveis soluções pra isso, também é muito comum a gente ouvir, e a gente falar, talvez: “É só a gente aumentar o tamanho do bolo.

“Vamos aumentar o tamanho do bolo, e aí a gente não precisa se preocupar tanto com o tamanho das fatias”. Veja este dado, então, do professor Richard Wilkinson. Ele inclusive apresentou isso num TED que você pode encontrar no Youtube e que eu recomendo que você assista, de forma muito mais profunda. O que este dado aponta? De um lado do gráfico, você tem o nível de desigualdade de renda, o de baixo; e no eixo vertical você tem uma quantidade de problemas sociais, problemas de saúde, que uma sociedade apresenta. O que se conclui com esse gráfico é que há uma correlação gritante, mesmo em países muito ricos, que quanto maior a desigualdade de um país mais problemas ele vai ter de violência, de tensão social, de estresse psicológico, de problemas de saúde ligados ao estresse psicológico por conta da tensão social. Então a questão do tamanho do bolo parece não ser a resposta, e não só isso, esse dado mostra, também, que a desigualdade, ao contrário do que a gente imagina, afeta todo mundo, afeta a todos nós, independente do lugar em que se está numa pirâmide, ou num losango social, e em qualquer país.

Um outro dado superinteressante… A Eslovênia tem metade do tamanho do bolo de renda, ajustado por poder de compra, ela tem metade do tamanho do bolo dos Estados Unidos. Preste atenção, ela tem a metade do tamanho do bolo. Mas, por ter esse bolo mais bem dividido, ela está 16 posições acima dos Estados Unidos no IDH ajustado por desigualdade. Nesse ranking, a Eslovênia está na 12ª posição, enquanto os Estados Unidos, que estão na 11ª em relação à renda per capita, despenca para a 28ª posição. O que eu quero trazer como primeira reflexão e conclusão para você é que a forma como se divide o bolo é mais importante do que o tamanho do bolo. Por sermos um país de dimensões continentais, e às vezes beirar a sexta, oitava, décima maior economia, a gente parece estar sempre focado na discussão de quanto o país tem que crescer, e se fala pouco sobre o quanto se têm dividido bem as fatias do bolo, eventualmente, criado por esse crescimento. Qual é a causa essencial que está no coração da desigualdade?

Quero que você feche os olhos, mantenha-se acordado e reflita. Tente se lembrar da última vez em que você viu uma pessoa numa situação de fragilidade… eventualmente na rua, pedindo dinheiro, ou numa calçada, jogado. Tente pensar como é essa pessoa, que características físicas ela tem; se você ajudou ou não, se você se sentiu impactado ou não. Agora abram os olhos. Essa experiência eu vivenciei em uma palestra em que, depois de abrir os olhos o palestrante mostrou uma imagem de uma menina muito pobre, que vive na Romênia, em uma condição de extrema pobreza. É uma imagem que talvez você já tenha visto na Internet.

O que eu quero chamar a atenção é que o coração do problema da desigualdade, no final, está no nosso olhar. O fato de a gente não enxergar o outro como um de nós, nos impede de ter uma ação direta sobre aquele problema. A pergunta que eu faço para você é: se fosse você naquela situação de fragilidade, você se ajudaria? Se fosse você, ali, que urgência isso traria para dentro de você, para você pensar, em alguma forma, em alguma ação, sobre aquele problema? A causa da desigualdade, portanto, começa pelo nosso olhar. A desigualdade está dentro da gente.

Imagine a foto de uma geladeira. Eu tive um professor de economia que brincava com isso, dizendo que o grande mal da humanidade foi a invenção da geladeira, porque antigamente o homem caçava, e ele só podia caçar o suficiente pra comer no mesmo dia, talvez no dia seguinte, porque ele não tinha como armazenar depois disso. Mas, depois que o homem inventou a geladeira, a gente criou a noção de acúmulo, de passar a acumular coisas, mesmo que a gente, talvez, nem use nesta vida, mas a gente acumula, e com o dinheiro não é diferente. Os Estados Unidos, dois ou três anos atrás, atingiram o maior índice de desigualdade da sua história, nos últimos 100 anos, e uma das principais causas dessa desigualdade, adivinhem qual é? É a diferença de salário pago a quem está no topo, na diretoria de grandes empresas, e às pessoas que estão na base, fazendo essa empresa acontecer.

Eu sonho, portanto, não com o fim da desigualdade, mas com o fim da desigualdade imposta. Para quê? Para que as verdadeiras diferenças entre nós apareçam. Hoje a gente não sabe o quão reais as diferenças são ou não, porque, de novo, a largada é muito diferente. Como se pode perceber, tem gente largando 50 metros à frente do outro, então a gente não sabe o quão diferente se é do outro. Eu já estou acabando a parte da descrição do problema e quero começar a inaugurar uma parte para falar de uma das possíveis soluções para a questão da desigualdade imposta.

Então eu quero começar isso fazendo uma pergunta para você. O que é um bom negócio? Quando a gente pensa num bom negócio, qual a primeira coisa que vem a nossa cabeça? Não tenha vergonha, porque sei o que veio na sua cabeça, agora, e vem ainda na minha também, um bom negócio é aquilo que dá dinheiro; bom negócio é aquilo que tem boa margem, tem muito lucro, que vai me deixar talvez rico ou milionário. Isso é uma visão de um bom negócio. Quero que você imagine comigo aqui: e se um bom negócio, na verdade, fosse uma empresa, uma empresa como qualquer outra, só que você criasse uma empresa não para maximizar lucro e ficar milionário, necessariamente, mas que você abrisse essa empresa para resolver algum problema social ou ambiental.

A missão da empresa fosse, exclusivamente, esta: resolver algum problema social. E que você trabalhasse para isso, que você tivesse algum produto ou serviço que acabasse com esse problema; a receita que você obtém vendendo esse produto ou serviço cobre o seu custo, gera lucro, inclusive, só que o lucro dessa empresa não fica para você. Você se paga um bom salário, um ótimo salário de mercado, você vive bem, só que o lucro, o que você faz com ele? Você reinveste sempre na empresa, porque o foco é o problema social, então você reinveste para garantir que a missão da empresa está sendo cumprida. Se você puder vender aquele produto mais barato, para que mais gente possa ter acesso a ele, você pode reinvestir seu lucro pensando nisso.

E se esse tipo de negócio existisse? Pois bem, esse tipo de negócio existe. Essa é a boa notícia. Esse tipo de negócio se chama negócio social. Pra explicar um pouco mais detalhadamente para você, o negócio social mistura dois mundos: o mundo das ONGs, ele tem o objetivo de uma ONG, ele nasce para maximizar o impacto social, mas ele tem a sustentabilidade financeira de um negócio tradicional.

Ele vende um produto, um serviço, e isso paga as contas dele. Esse negócio, portanto, não depende de doações. Então a gente brinca que ele tem o melhor dos dois mundos: o das ONGs e do “business” tradicional. Quem desenvolveu esse conceito foi um senhor chamado Muhammad Yunus, eu passaria muitos dias escrevendo aqui, só pra falar sobre ele, sobre a vida dele, mas pra dar uma informação para você: ele é o único economista a ganhar o prêmio Nobel, não de Economia, mas o prêmio Nobel da Paz, pela invenção do microcrédito, que ajudou a reduzir pela metade o número da extrema pobreza no país dele, Bangladesh.

Um conceito que se espalhou pelo mundo. Ele elaborou também esse conceito de negócios sociais. Vou contar uma história rápida sobre uma das empresas que já existem, criada com este senhor aqui, o presidente da maior empresa de iogurte no mundo. Eles estavam almoçando, e o Yunus falou pra esse presidente: “Eu ouvi dizer que seus iogurtes são muito deliciosos, são maravilhosos, por que a gente não cria um negócio lá em Bangladesh? Em Bangladesh 56% das crianças sofrem de desnutrição.

A gente podia pegar esse iogurte que você faz e colocar micronutrientes, vitaminas, o que os cientistas disserem. A gente vende esse iogurte pelo preço mais barato que conseguir, lá em Bangladesh, para que as pessoas pobres, nas vilas, consigam comprar. As crianças vão tomar esse iogurte e vão sair da desnutrição”.

O presidente da Danone na hora falou: “Fechado, vamos fazer isso!” Então o Yunus falou: “Eu não acabei ainda. É um pouco mais complicado do que isso. Isso que a gente vai abrir é um negócio social”. E explicou para o Presidente da Danone que eles iriam abrir uma empresa, investir no crescimento dessa empresa, e que ele ia poder recuperar todo o investimento que foi feito, mas, depois que recuperasse o investimento, nem mais um centavo iria para a Danone. O lucro ficaria naquela empresa. Ele explicou isso para o Presidente da Danone, que falou: “Fechado, vamos em frente!” O Yunus brinca, ele diz que nessa hora tinha certeza que o Presidente da Danone não tinha entendido o inglês dele.

(Risos) Porque o inglês dele é carregado de um acento da região indiana de Bengali. Essa empresa existe, ela já tem mais de dez anos de existência. Esse iogurte existe e, se uma criança toma aproximadamente duas vezes por semana, em oito meses ela sai da condição de desnutrição. É uma empresa que já se paga operacionalmente, portanto começou a produzir lucro, e agora começa a se expandir por Bangladesh. É um caso só. Como os negócios sociais, portanto, enfrentam a desigualdade imposta? De duas formas.

A primeira, mais óbvia, atacando diretamente o problema, através da sua missão: acabar com a desnutrição infantil, resolver o problema de saneamento, alguma empresa de educação. Então essa é a primeira forma de atacar a desigualdade imposta. E a segunda forma, qual é? Apesar de pagar bons salários, existe esse controle do acúmulo. Fazer com que você, justamente, não tenha a sua geladeira em casa para ficar guardando um dinheiro que talvez você não possa nem usar nesta vida, mas te obrigar a reinvestir nesse negócio social para ampliar o impacto. Quando eu falo sobre esse modelo de negócio, qual é a primeira pergunta que eu escuto? “Legal, mas quem vai investir nisso?” Quem vai investir nisso, e quem investe nisso, é uma indústria bilionária: a indústria da filantropia. Pessoas que já doavam dinheiro, doavam um milhão por ano para uma ONG e que, num negócio social, podem fazer essa doação só uma vez.

Essa pessoa investe em uma empresa e, depois, essa empresa se sustenta, e não precisa mais doar nos anos seguintes, então há uma otimização dessa verba filantrópica. É um movimento que está crescendo muito. A gente fala do caso de Bangladesh, mas já está crescendo muito no Brasil, existem centenas de empreendedores aqui no Brasil, operando dessa maneira.

Tem o Hamilton Henrique, que tem um negócio pra resolver o problema da falta de comida saudável dentro das favelas no Rio de Janeiro. Ele estudava engenharia e trabalhava em um espaço de coworking quando teve contato com a alimentação saudável pela primeira vez. “Eu morava em São Gonçalo (RJ) e não vinha de classe alta. Não entendia porque meus colegas com mais dinheiro preferiam lasanha de berinjela a um bom pedaço de picanha. Na minha cabeça, rico gostava de comer coisas gostosas”, conta.

Ele aprendeu a comer mais frutas, verduras e legumes na época e notou que a mudança foi positiva para a vida dele. “Até que um dia senti uma vontade incontrolável de comer empadão de legumes e meus amigos tiraram sarro de mim. Então nasceu a ideia de levar acesso a uma alimentação mais saudável a um preço justo”, explica.

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Uma das saladas e molho feitos na cozinha Saladorama

O empreendedor conheceu a nutricionista Mariana Fernandes, com quem dividia o desejo de democratizar o acesso a alimentos saudáveis, quando ficaram sabendo que estava aberto o processo seletivo para incubação e aceleração da Yunus  Negócios Sociais Brasil. Eles se inscreveram, foram selecionados em outubro de 2014 e receberam assessoria para criar o modelo de negócio. Em fevereiro de 2015, nascia o Saladorama, com investimento inicial de R$ 250.

A empresa oferece o serviço de delivery de saladas e sucos orgânicos, e trabalha com vendas avulsas ou planos de assinaturas. Os pedidos podem ser feitos pelo site, Facebook ou WhatsApp, e todas as entregas são realizadas de bicicleta. Além de incentivar a ingestão de frutas e verduras, o negócio pode tornar-se uma fonte de renda.

Hamilton emprega moradores de comunidades carentes do Rio, a maioria mulheres, que passam por um processo de capacitação de quatro meses, que ensina desde os cuidados com os alimentos até noções de gerenciamento do negócio, para que sejam capazes de empreender também. Todos os alimentos são preparados em cozinhas próprias nas comunidades.

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Os sócios Mariana e Hamilton (à direita) com Muhammad Yunus (centro), Nobel da Paz e mentor da aceleradora de negócios sociais pela qual passaram

A operação começou em São Gonçalo, onde o empreendedor mora, e depois se estabeleceu no morro de Santa Marta, na zona sul do Rio, o que possibilitou atender pessoas de todas as classes sociais. Hoje eles atuam mundo afora, estão em todo o Brasil e em vários lugares do mundo e continua crescendo, de forma acelerada.

Outro que está no Brasil é o Howard Weinstein, que criou um aparelho auditivo recarregável por energia solar, o que faz o preço do aparelho despencar, custar 70 a 80% mais barato por não precisar de bateria. Vaamos saber mais sobre esse negócio, um aparelho auditivo popular, com baterias recarregáveis com a luz solar, começou a ser vendido no Brasil no final do ano de 2006. A engenhoca foi criada pelo canadense Howard Weinstein, fundador da Solar Ear, um negócio social focado em democratizar o acesso de deficientes auditivos aos aparelhos.

O kit mais simples, que vem com o aparelho, as baterias e o recarregador solar, custa a partir de R$ 400. “Trabalhamos com as mesmas peças usadas pelos outros fabricantes. Só tiramos os excessos de que o paciente não precisa, assim chegamos a um preço justo”, afirma Silvio Inocêncio da Silva, gerente-geral e de expansão de negócios da Solar Ear. “Não vendemos um modelo de luxo para quem precisa de um popular.”

A Solar Ear foi fundada por Weinstein em 2002, em Botsuana. Em uma temporada na África, o canadense notou que muitas pessoas surdas eram isoladas da sociedade e que não havia aparelhos acessíveis para elas. Apenas doar os dispositivos não resolveria o problema, pois a população de baixa renda teria dificuldade em desembolsar cerca de R$ 100 por ano para comprar as baterias.

Foi aí que ele teve a ideia de criar um recarregador de baterias movido a luz solar. Os primeiros modelos foram produzidos em Botsuana, mas, analisando o problema em outras partes do mundo, o canadense chegou ao Brasil. Segundo o IBGE, 5% da população brasileira sofre com algum grau de deficiência auditiva, um contingente de 9,7 milhões de pessoas, das quais 344 mil são surdas.

Em 2006, a Solar Ear abriu uma filial em São Paulo. Em sua pequena fábrica, localizada em Perdizes (zona oeste da capital), dez jovens surdos produzem todos os aparelhos vendidos aqui e exportados para 40 países, como Botsuana, Índia e China. “Eles têm melhor coordenação da mão com os olhos, uma habilidade essencial para soldar microcomponentes. E nos mostram como melhorar o produto”, diz Weinstein. Em três meses, a empresa vendeu 500 aparelhos no Brasil. “Agora já incluímos o carregador e a bateria no kit do SUS”, afirma Silva.

Aparelho auditivo fabricado pela Solar Ear no Brasil (Foto: Bruna Martins Fontes)

 

Tudo o que a empresa lucra é reaplicado em suas missões sociais, como capacitar jovens surdos para trabalhar com microeletrônica no Brasil e na China ou combater a Aids na África. “Queremos empoderar os deficientes auditivos”, diz Andrea Resende, ex-gerente geral da empresa. “Nas aulas, eles aprendem desde expedição de pedidos até controle de qualidade, e têm noções de cidadania e direitos trabalhistas.”

No Brasil, a empresa vende dez aparelhos, certificados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). O topo de linha é um modelo programável por computador e que tem microfones direcionais para isolar o ruído ambiente, vendido por R$ 1.900.

O recarregador solar já rendeu reconhecimento internacional à Solar Ear. Em 2011, ela ficou na lista das dez empresas mais inovadoras do Brasil em um ranking feito pela revista Fast Company. No ano seguinte, a empresa foi eleita o melhor negócio social do mundo pelo World Technology Network.

Os modelos, aprovados pela Organização Mundial da Saúde, continuam evoluindo. A última inovação da Solar Ear foi desenvolver, em parceria com a USP (Universidade de São Paulo), um novo tipo de aparelho auditivo, recarregável com luz artificial. Veja, abaixo, um vídeo sobre as atividades da empresa.

Spot SolarEar from danilomoura on Vimeo.

Outro negócio social é a Insolar do Henrique Drumond e Michel Baitelli, que instala painéis solares nas favelas do Rio de Janeiro. Esta é a história de dois empreendedores que cansaram de olhar para o céu e não fazer nada. Explicando: o Brasil é gigantesco (8 milhões de quilômetros quadrados) e recebe 280 dias de sol por ano, números de dar inveja à Alemanha, um dos líderes mundiais em geração de energia solar (que tem apenas 4% do nosso tamanho e muito menos sol). “Me frustra muito ver o Brasil com um potencial tão grande e quase nenhum incentivo ou investimento na área. Esse foi um dos motivos que levou a gente a criar a Insolar”, conta o economista Michel Baitelli, 37, que fundou o negócio junto com o administrador Henrique Drumond, 32. A iniciativa dos cariocas tem o ousado objetivo de promover e democratizar a energia solar gerando o máximo de impacto socioambiental possível.

Para tanto, eles apostam num modelo de negócio para instalar painéis fotovoltaicos (que transformam luz do sol em energia elétrica) em comunidades carentes baseado em cofunding, ou seja, o financiamento que vem de organizações interessadas na difusão deste modelo de energia, que cobrem os custos e remuneram a Insolar pela gestão do projeto. A empresa é jovem, tem pouco mais de três anos e começou colocando em prática o seu primeiro projeto nessa linha, em uma creche (mas não apenas, já que envolveu a comunidade) na favela Santa Marta, no Rio de Janeiro.

A Insolar trabalha com placas que geram energia elétrica, diferentes daquelas mais conhecidas, que apenas aquecem água. O investimento depende da região de instalação e dos equipamentos mas, no geral, não é baixo. A primeira fase do projeto na Santa Marta, por exemplo, com instalação de dez placas e ligação à rede da distribuidora de energia ficou em torno de 20 mil reais – valor que corresponde apenas aos equipamentos, sem incluir ações sociais na comunidade.

As placas fotovoltaicas da Insolar transformar a luz do sol em energia elétrica.

Henrique mostra como são as placas fotovoltaicas da Insolar: elas transformam a luz do sol em energia elétrica e podem ser instaladas em qualquer lugar com condições técnicas favoráveis.

Além dos projetos de cunho social, como este no Santa Marta, uma fonte secundária de receita da Insolar são instalações particulares, em residências ou estabelecimentos, em que os proprietários arcam com os custos e remuneram a Insolar – algumas já foram feitas no Rio de Janeiro. Michel conta que investir nas placas da Insolar para transformar a luz do sol em energia elétrica tem um payback (retorno do valor gasto) estimado de seis anos, com vida útil dos aparelhos em torno de 25 anos.

Pouca gente sabe, mas uma resolução da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) de 2012 diz que “havendo condições técnicas favoráveis, qualquer consumidor de energia no Brasil pode gerar energia para consumo próprio”. É aí, na microgeração de energia fotovoltaica, que a Insolar atua.

Este ano, a Insolar deverá ter ainda uma terceira fonte de receita: ombrelones capazes de carregar baterias de celulares mesmo em dias nublados. A ideia é vender ou alugar as peças. A tecnologia, aqui, é diferente da usada nas placas fotovoltaicas (que são rígidas), pois se baseia em fios finos, leves e flexíveis. O produto está sendo desenvolvido pela própria Insolar em parceria com o Senai e deverá ser lançado no segundo semestre, mas já desperta interesse do setor hoteleiro e de eventos — por não estar patenteado, eles ainda não podem divulgar as imagens.

A PARCERIA QUE NASCE DE UMA INQUIETAÇÃO COMUM

A parceria que originou a Insolar nasceu por acaso. Michel queria colocar placas fotovoltaicas em seu condomínio, enquanto Henrique pesquisava fontes renováveis de energia. Uma amiga em comum percebeu a coincidência de interesses e, em 2013, fez a ponte entre os dois. Além do entusiasmo em relação à energia limpa, Henrique e Michel compartilhavam uma angústia: sentiam que faltava propósito no que faziam. Henrique fala do sentimento: “Pesava muito perceber que a energia que a gente investia no trabalho não retornava para sociedade nem para nós mesmos”.

Ele acumulava dez anos trabalhando em empresas, enquanto Michel era executivo de uma grande corporação. Michel já tinha fundado uma startup (a Voice Call, no setor de tecnologia e telecomunicações) e ter experiência em empreendedorismo ajudou a Insolar a estabelecer processos eficientes desde o princípio, bem como a buscar fontes diversificadas de receita para garantir a saúde econômica do negócio.

O interesse em ações de impacto social e a experiência corporativa da dupla pareciam a combinação perfeita para gerar um negócio social. Mercadologicamente, eles sabiam do potencial da energia solar no Brasil. Ao pesquisar mais sobre o tema, descobriram impactos sociais significativos, como conta Henrique:

“A energia solar combina elementos interessantes de sustentabilidade. Tem o aspecto econômico, já que reduz a conta de luz. Tem impacto ambiental, pois é uma energia limpa. E tem o impacto tecnológico, pois promove uma tecnologia nova”

Em 2013, logo após se conhecerem, os companheiros participaram da Maratona de Negócios Sociais do Sebrae, em que aprenderam mais sobre o modelo de negócio que fundariam. No ano seguinte, Henrique participou da incubadora Shell Iniciativa Jovem, em que transformou a ideia em um plano de negócios completo e tangível – e, de quebra, ganhou o prêmio de empreendimento de maior destaque daquele ano.

Michel Baitelli e Henrique Drumond, os fundadores da Insolar não são engenheiros e se aventuraram na área por vocação.

Michel Baitelli e Henrique Drumond, os fundadores da Insolar, não são engenheiros e se aventuraram na área por vocação.

Com o plano de negócios em mãos, os parceiros formalizaram a iniciativa e conseguiram uma vaga na primeira turma carioca da Yunus Negócios Sociais do Brasil, em 2014, em que refinaram ainda mais a proposta socioambiental da Insolar.

A Insolar também participou do Grand Prix SENAI de Inovação 2014, de onde saiu com o projeto do ombrelone pré-aprovado para o edital de inovação que venceria mais adiante. Em 2015, fecharam todos os incentivos necessários para as instalações no Santa Marta, primeiro grande projeto da Insolar.

Michel acabou deixando a Voice Call por limitações de tempo: não era fácil ser executivo de uma empresa, atuar em duas startups e ter dois filhos pequenos (as crianças têm hoje 5 e 9 anos). Para Michel, estar também nas empresas ajuda a entender o que elas buscam ao incentivar projetos de sustentabilidade. Henrique trabalha com projetos de consultoria, mas dedica a maior parte do seu tempo à Insolar.

UMA NOVA TECNOLOGIA TRAZ DESAFIOS DESCONHECIDOS

A Insolar não faz a instalação propriamente dita dos painéis, mas presta uma consultoria global de todo o projeto: busca parceiros para financiamento, assessora a execução, faz o relacionamento com a comunidade, cuida da parte burocrática com as distribuidoras de energia e – o mais importante – costura relações sólidas entre todos esses atores. A articulação entre as partes interessadas é fundamental para a consolidação de um mercado novo. Adriana Maria da Silva, diretora da creche Mundo Infantil, abraçou o projeto e isso é fundamental para que se crie um ambiente propício para o avanço de uma tecnologia nova, num lugar que nunca teve isso.

Henrique lista os desafios do mercado de energia solar: de demanda, oferta, mão de obra, financiamento, tecnologia. “É muita coisa”, diz. “O projeto no Santa Marta, por exemplo, promove energia solar, oferece capacitação e gera visibilidade para a tecnologia, para que surja demanda. Com demanda, as empresas começam a se interessar em trazer a tecnologia ou produzi-la. A gente tenta sempre trazer essa postura holística, não só da geração de energia limpa ou redução de conta de luz, mas uma visão da tecnologia integrada à sociedade.”

Ele detalha como o modelo de cofunding funciona: a iniciativa na Santa Marta contou com o financiamento do Consulado da Alemanha, da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e da Sitawi Negócios do Bem. “O consulado representa a Alemanha, um país líder em energia fotovoltaica e que tem interesse em promover a tecnologia no Brasil. A Sitawi já apoia projetos relacionados com energias renováveis, então para ela também foi interessante participar do projeto. E o apoio da ANEEL veio por meio do programa de eficiência energética”, diz. Ou seja, a Insolar reuniu diferentes atores, com interesses distintos, em um mesmo projeto de energia solar.

SANTA MARTA, UMA VITRINE PARA O BRASIL

A ideia na Santa Marta começou relativamente pequena, com a instalação de painéis fotovoltaicos na creche comunitária Mundo Infantil, fundada há 30 anos e até hoje administrada por mulheres da comunidade. O projeto inicial também contempla a substituição de lâmpadas comuns por outras de LED, mais eficientes. Houveram, ainda, oficinas de energia solar e eficiência energética abertas à comunidade. Em vez de simplesmente instalar as placas, a proposta era aproveitar a chegada da tecnologia para levar o tema da ecologia, sustentabilidade e eficiência energética aos moradores.

As placas geraram uma economia anual entre 1.300 e 1.500 reais, quantia significativa para uma creche de orçamento apertado. Recentemente, foram instalados dois aparelhos de ar condicionado para ajudar as crianças a enfrentar o verão carioca mas, antes disso, a conta de luz da Mundo Infantil era de cerca de 300 reais mensais.

O custo total desta primeira fase do projeto (contando os 20 mil reais dos equipamentos, as oficinas e as novas lâmpadas de LED) girou em torno de 30 mil reais. Ao instalar esta tecnologia sofisticada e de alto custo em uma comunidade como o Santa Marta, a Insolar queria passar uma mensagem. “Quando levamos à base da pirâmide o acesso a essa tecnologia, mostramos que ela é possível para pessoas de todos os patamares de poder aquisitivo”, diz Henrique. E a ideia era replicar o modelo em outras regiões do país: “Já havia demanda de outras comunidades interessadas na instalação e de outras empresas que queriam conhecer melhor este mercado”.

Durante as etapas iniciais do projeto no Santa Marta, a Insolar recebeu uma boa notícia: foi selecionada como primeiro projeto da aceleradora global #makethefuture, da Shell. O valor total do aporte não foi divulgado, mas possibilitaria a expansão do projeto com a instalação de placas em outros pontos da comunidade e o treinamento de mão de obra local para atuar no mercado fotovoltaico. A projeção era de 8 000 pessoas impactadas.

Assim como o projeto inicial na Mundo Infantil, a aceleração vinda da #makethefuture tornou possível levar mais placas da Insolar a locais comunitários (pelo conceito social do negócio, eles não atendem gratuitamente estabelecimentos privados nem residências) para possibilitar o uso coletivo da energia gerada. Para definir com legitimidade quais são os locais da comunidade em que a energia solar poderá trazer mais benefícios, não há outro caminho senão ouvir os próprios moradores, por isso a Insolar promoveu pesquisas na comunidade. “A ideia era não só ouvir a comunidade, mas incorporá-la ao projeto. Os pesquisadores eram pessoas da própria Santa Marta, e ofereciam oficinas de capacitação e treinamento para quem tivesse interesse em trabalhar neste mercado”, conta Henrique. A ideia também era usar esta mesma mão de obra em projetos futuros da Insolar.

UMA DEFESA DA INGENUIDADE, DA INTUIÇÃO E DA REDE

Em tom de brincadeira, Henrique diz que até gostaria de ter feito faculdade de engenharia. Não fez. Passou a lidar com uma área técnica por causa da vocação social e admite que isso foi um dos desafios na fundação da Insolar. Um economista e um administrador em um ambiente altamente técnico podem ficar um pouco perdidos.

“Pensamos: a gente para tudo, faz faculdade de engenharia por 5 anos e faz todos os cursos de energia solar? Ou decola e faz os ajustes durante o voo?”

Ao optar pela segunda alternativa, os sócios mal sabiam o tamanho do desafio de instalar energia solar em comunidades. As construções suportam o peso dos equipamentos? Como garantir que ninguém irá levantar uma nova casa e gerar sombra sobre as instalações? Como saber que as placas de material tão valioso continuarão no lugar em que foram alojadas? Felizmente eles não se paralisaram por estes riscos – que, mais tarde, se provariam infundados, pois quando a comunidade se apropria do projeto, se torna corresponsável por ele.

Michel e Henrique defendem a ingenuidade e citam o economista vencedor do prêmio Nobel da Paz Muhammad Yunus: “Quando fundou o Grameen Bank, o professor Yunus falou que, se fosse banqueiro, certamente não teria montado um banco que empresta recursos sem garantia justamente para quem tem, em tese, maior probabilidade de inadimplência. Às vezes o fato de não saber tanto, ou não ser do setor, traz uma visão mais fresca e livre, sem preconceitos. Então a gente pensou ‘vamos instalar painéis fotovoltaicos em comunidades’ e foi fazer”, conta Henrique.

Henrique refinou seu espírito empreendedor em viagens a países como Moçambique e Estados Unidos. Na África, trabalhou como voluntário na ONG TechnoServe, em que era responsável por projetos de micro-franquias de equipamentos de moer grãos em comunidades locais. “Lá, aprendi que com muito pouco é possível fazer muito em prol das pessoas e do mundo”, diz. Na TechnoServe, também percebeu que as ONGs poderiam se beneficiar de processos eficientes aplicados no setor privado – insight crucial para o sucesso da Insolar. Nos EUA, teve a oportunidade de vivenciar o empreendedorismo enraizado na cultura americana.

Henrique (de costas) é abraçado pelos companheiros da incubadora Shell Iniciativa Jovem. Para ele, estar em contato com outros empreendedores é fundamental.

Henrique (de costas) é abraçado pelos companheiros da incubadora Shell Iniciativa Jovem. Para ele, estar em contato com outros empreendedores é fundamental para manter a motivação.

Henrique e Michel não têm dúvidas ao apontar o poder da colaboração como um dos principais aprendizados que tiveram desde a criação da Insolar. Ele diz que, desde a amiga que o apresentou a Michel, até o valioso aporte da aceleradora #makethefuture, tudo se deve à rede de contatos construída com transparência e confiança. As oficinas oferecidas no projeto da Santa Marta, por exemplo, foram possibilitadas graças ao relacionamento ético e transparente que a Insolar mantém com o Sebrae desde a primeira Maratona de que participaram.

Ele também menciona a rede de empreendedores na qual ingressou depois de participar do programa Shell Iniciativa Jovem. Para ele, estar em contato com outros empreendedores, acompanhar pessoas vivenciando desafios semelhantes é um grande motivador para a Insolar. “O nosso proposito é também compartilhar aprendizado. Então, ao fazer parte da rede do Iniciativa Jovem, do Sebrae, da Yunus, estamos constantemente compartilhando e trocando aprendizado para que todos avancemos, seja como negócio social, ou como negócio, ou como empresa de energia”. Comunidades, empreendedores, produtores de tecnologia – o objetivo da Insolar é mesmo fazer o sol brilhar para todos.

Moradores desses territórios ao serem treinados acabam sensibilizados pelas oportunidades que passam a ver e acabam se transformando, também, em empreendedores sociais, como é o caso do Gilson Fumaça, que mora numa comunidade no Rio de Janeiro, também é empreendedor de um negócio social.

NOVO Inspira #8 | Gilson Fumaça

No episódio #8 do NOVO Inspira, conheça o empreendedor Gilson Fumaça, que demonstra que o espírito empreendedor está no DNA brasileiro. Apenas com uma economia livre teremos a abundância de oportunidades que todos os 'Gilsons' precisam. Compartilhe!

Posted by NOVO 30 on Sunday, November 26, 2017

Hoje existem negócios sociais de hortas urbanas. Há pessoas famosas, também, se envolvendo com isso. O Marcelo Rosenbaun, criando seu negócio social no Piauí.

Universidades estão se envolvendo com o tema do Empreendedorismo Social, já há uma rede de mais de 20 universidades se especializando nesse assunto. A mídia, cada vez mais, cobrindo esse assunto. O Yunus esteve em uma das últimas entrevistas do Jô Soares e falou, também, para vários outros veículos. E, pasmem, já há cidades se tornando cidades de negócios sociais. Políticos adotando negócio social como política pública. Barcelona é um dos casos.

Vejo muitas pessoas se perguntando: “Como eu faço para trabalhar com isso?” Penso que basta começar pensando num problema da sua vizinhança, do seu prédio, o que mais incomode você, e comece a pensar numa solução para ele. Muita gente pensa que esse negócio de empreendedorismo social é uma moda, pois, eu digo que é uma moda que já está durando mais do que se esperava, não? Então eu pergunto, será que essa moda já pegou?

João D Caetano de Oliveira

América Latina Consult